Caí num monte de lixo, era noite, um gato passou por cima de mim, arranhando meu rosto, um gosto ferruginoso enchia minha boca, cuspi, faltava um incisivo, os tornozelos formigavam e os pulsos ardiam nos pontos em que estavam vermelhos pela marca das cordas.
Não dava tempo. Ouvi vozes, passos apressados e cliques de automáticas. Levantei, tropecei numa das latas de lixo e comecei a correr.
Ganhei uma das vielas, tomei o beco à esquerda, entrei num barraco, um velho inchado semi-vivo semi-morto assistia à televisão num sofá de couro velho coberto por uma manta de retalhos coloridos, derrubei uma garrafa e pulei na janela que ficava atrás do velho, caí por mais tempo que esperava, o pé doeu, olhei para cima, pude ver o clarão que saiu do cano pouco antes de ouvir o tiro que pegou na parede ao lado de minha cabeça.
- Pega o desgraçado...
Escorreguei na areia, derrubei um menino que brincava numa bicicleta, a perna ardeu, estava escuro, choro, ganhei outro beco, continuei descendo, ouvia quatro pés correndo de chinelos, deviam ser havaianas, outro estampido, ardor no ombro direito, queimando muito, a boca seca, mais um barracão, família jantando, retrato esmaltado de um casal de negros sobre a janela através da qual saltei, quintal com cachorro preso, latidos, barulho de pratos, panelas, colheres, copos, mesa, gente caindo.
- Sai pra lá velha... Vai que eu já vou. Pega logo o filha da puta, antes que chegue no asfalto!
Gritos de mulher, latidos, algumas bananeiras, corri entre elas, caí num barranco, o gosto de ferrugem continuava, o pé doía, mais um tiro, o pescoço ficou preso, varais, uma laje, mais um salto.
- Tô vendo, tô vendo!
Outro tiro, que passou zunindo e ricocheteou no asfalto que atravessava, as quatro havaianas vinham novamente juntas, mais dois tiros, a panturrilha, não podia parar, minha filha, minha esposa, estava difícil correr, não pagaram o resgate, outra viela muito escura, ratos, ratos, um muro, tentei subir, as havaianas pararam, olhei pra trás, a sombra de dois homens, uma gargalhada, um estampido seco, o gosto de ferrugem.
Barroso da Costa
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
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2 comentários:
Nem sempre eles pagam o resgate... como na cena de A rainha Margot, quando o irmão do rei, durante a caçada, fica só olhando enquanto o rei é atacado pelas feras. Afinal, ele seria o sucessor... não seria o caso? Vai ver que o cara tinha muita grana, quem sabe? Situação ruim a dele. Espero um texto engraçado seu pra próxima jararaca
e eu espero um outro texto com gosto de ferrugem para os impublicáveis
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