(...) E a gente vai fumando,
porque sem o cigarro
ninguém segura esse rojão (...)
Chico Buarque
Que o cigarro mata, já estou cansado de saber. Sei também que a gordura obstrui as coronárias, que álcool dá cirrose, ressaca, tagarelice crônica e encorajamento nas horas erradas; segundo Edir Macedo sexo é sujo e faz mal para a alma. Muita coisa faz mal, a hipocrisia, por exemplo, vira um câncer que começa como algo inofensivo, mas em pouco tempo dá metástase, comprometendo áreas como a ética, bom-senso e, nos casos tópicos, carcome rapidamente a vergonha na cara. Contudo o que mais incomoda é o cigarro, para ser mais exato, sua fumaça. Há alguns anos eu pensava que o aumento da frota de veículos nas ruas e o crescimento do setor industrial no nosso país, responsáveis pelos elevados níveis de poluentes nos centros urbanos, fosse fazer com que os incomodados com a fumaça alheia mudassem o foco. Mas não foi bem isso que aconteceu, há quem prefira meter o nariz no cano de descarga de um Feneme 69 que aturar por dez segundos a fumacinha do meu cigarro enquanto espero o sinal para pedestre abrir.
“Os tempos mudaram”, dizem os fumantes mais antigos. Meu avô achava lindo as mulheres fumando, principalmente no cinema. Agora, só os vilões da novela das oito fumam. Antes não se morria tanto de câncer causado pelo cigarro, e não é porque eles estão aumentando os índices de substâncias tóxicas – elas sempre existiram, muitas vezes em uma quantidade maior que a de hoje. O que mata é a soma do tabaco com a gordura, com o açúcar, o álcool, enfim, o sedentarismo, e conforme relatam, não é nada bom morrer assim, mas também não é pior do que morrer de tédio e privação.
Foi-se o tempo em que o tabaco não matava e no qual, como conta um amigo meu, não tinha essa de comover o pai pedindo para ele parar de fumar. Enquanto hoje os olhos enchem de lágrimas ao ouvir o pedido do moleque, meu amigo ouviu do pai um “vai cagar, menino” e descobriu que fumar era coisa de quem sabe e pode responder pelos seus atos. E não é tão difícil ensinar aos filhos que eles não devem fumar antes de poderem responder por eles mesmos. Outro dia, minha filha de três anos me perguntou por que eu fumo, respondi: “fumo porque sou adulto e você não é, logo você não precisa se preocupar com isso tão cedo”.
Fumo pra pensar, pra relaxar, pra cagar, pra beber e até pra morrer, pois sou adulto e respondo pelos meus atos. E quanto aos que morrem de hamburger, ninguém vai fazer nada?
Robert de Andrade Oliveira